Cláudia Villela de Andrade

Meias palavras

 

Estou no meio do quarto

à meia-noite e meia,

há uma hora e meia,

vestindo a meia-calça preta

que escorrega  pelas minhas coxas  abertas.

Enlaço o soutien meia-taça que ataca

quem não está de guarda na meia-idade.

Desgovernada,

com meia visão,

miro o centro do espelho meia-cana.

Faço com os dedos o éle do revólver e atiro

com a boca:

— Pá, pá!

Cacos imaginários voam na penumbra do chão que piso.

A meia-calça nada sente.

O soutien sai do lugar.

Ajeito-o com os dedos úmidos.

Faço cara de má.

Levanto o queixo e caminho

como uma meia-lua tonta,

desejando um meio de atirar, de verdade,

em todas as  meias palavras.

 

Vagueando

O que incomoda
é o que me faz ser  crua.
Ser tão sua, tão de longe,
como dois frutos em árvores diferentes,
padecendo por não estarem juntos
nesse fio de  vento que,
tão somente,  traz o cheiro do seu cio,
tão cioso do meu cio,

tão freqüente que mais só.

 
Leva e traz  inconseqüente,
sem  o sossegar do pôr-do-sol,
sem dançar nas hastes
consoladas das floradas,
afinadas entre duas vozes,
dois gigantes, dois errantes,
alto e baixo, longe e perto,
na cadência da distância
do amadurecimento à queda.
 
Não, não vá.
Guarde a tesoura.
Não se pode, nem  me cegue.
Não desista que eu persisto.
Sem  a espera, não existo.
Preciso da coragem da  certeza.
Já que sei como é encostar-se à sua alma.
Só para saber.
Só para  recolher o meu cesto de frutas
e decifrar seu rosto, sem palavras, só em gestos.
 
Sou a ave estática,
a escultura de jardim
Outro animal qualquer,
sem vôo.
 
Sou seu fruto,
sua casca.
 
Uma sombra
no seu sonho,

vagueando
sem caroço.

 

 

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