Meias palavras
Estou no meio do quarto
à meia-noite e meia,
há uma hora e meia,
vestindo a meia-calça preta
que escorrega pelas minhas coxas abertas.
Enlaço o soutien meia-taça que ataca
quem não está de guarda na meia-idade.
Desgovernada,
com meia visão,
miro o centro do espelho meia-cana.
Faço com os dedos o éle do revólver e atiro
com a boca:
— Pá, pá!
Cacos imaginários voam na penumbra do chão que piso.
A meia-calça nada sente.
O soutien sai do lugar.
Ajeito-o com os dedos úmidos.
Faço cara de má.
Levanto o queixo e caminho
como uma meia-lua tonta,
desejando um meio de atirar, de verdade,
em todas as meias palavras.
Vagueando
O que incomoda
é o que me faz ser crua.
Ser tão sua, tão de longe,
como dois frutos em árvores diferentes,
padecendo por não estarem juntos
nesse fio de vento que,
tão somente, traz o cheiro do seu cio,
tão cioso do meu cio,
tão freqüente que mais só.
Leva e traz inconseqüente,
sem o sossegar do pôr-do-sol,
sem dançar nas hastes
consoladas das floradas,
afinadas entre duas vozes,
dois gigantes, dois errantes,
alto e baixo, longe e perto,
na cadência da distância
do amadurecimento à queda.
Não, não vá.
Guarde a tesoura.
Não se pode, nem me cegue.
Não desista que eu persisto.
Sem a espera, não existo.
Preciso da coragem da certeza.
Já que sei como é encostar-se à sua alma.
Só para saber.
Só para recolher o meu cesto de frutas
e decifrar seu rosto, sem palavras, só em gestos.
Sou a ave estática,
a escultura de jardim
Outro animal qualquer,
sem vôo.
Sou seu fruto,
sua casca.
Uma sombra
no seu sonho,
vagueando
sem caroço.